Notas explicativasCanto XIV14.1 Os violentos contra Deus, a Natureza e a Arte são torturados em um deserto. O areão é o oposto da arte e da natureza do mundo criado por Deus. Estéril e sem vida, é atravessado por rios de sangue e vive sob uma permanente chuva de brasas. Os pecadores vivem num mundo sem cor, sem conforto e sem esperança. É o mundo que desejaram ter quando, em vida, rejeitaram tudo o que Deus, a Natureza e a Arte lhes ofereceu, preferindo dar maior valor às coisas materiais. Voltar 14.2 O deserto incandescente é o contrapasso de quem rejeita a natureza, as suas leis (leis de Deus) e a criação (a arte). A areia é quente e uma chuva de brasas assola o lugar eternamente. Segundo [Sayers 49], a imagem do areão e a chuva de brasas é um reflexo do destino de Sodoma e Gomorra (Gênese, 19:24). Voltar 14.3 Os blasfemos (contra Deus) são os que ofenderam a Deus com calúnias ultrajantes e não tiveram a humildade de o respeitarem como Criador. Sofrem deitados no areão. Não podendo se levantar, são "condecorados" com brasas que se acumulam nos seus peitos em homenagem ao seu orgulho e vaidade. Voltar 14.4 Os sodomitas (contra a Natureza) são os que ofendem a Deus por agir contra a ordem da Natureza criada por Ele, pecando por sodomia (pederastia, coito anal). Tostados pelas brasas, correm sem nunca poder parar sobre o areão incandescente. Segundo [Sayers 49], o seu estado de correr sem destino pelo areão pode ser uma representação, em um nível mais baixo, da punição dos luxuriosos do segundo círculo. Voltar 14.5 Os usurários (contra a Arte) são os que ofendem a Deus por rejeitar o poder de criação, a arte, valorizando antes de tudo o status social, as aparências, os títulos de nobreza e outros valores materiais como o dinheiro, em detrimento dos valores eternos. Na interpretação de Dorothy Sayers: "A Arte (criação e o trabalho do homem) e a Natureza (criação de Deus que inclui o homem) são as únicas verdadeiras riquezas. A compra e venda do dinheiro como se fosse uma mercadoria (agiotagem, usura) produz apenas uma riqueza espúria, e resulta em danos à terra (Natureza) e à exploração do trabalho (Arte). Como a Arte deriva da Natureza e a Natureza deriva de Deus, a usura é vista como uma ofensa a Deus." [Sayers 49] Voltar 14.6 Capâneo foi um dos sete reis que assediaram Tebas. Simboliza os blasfemos, que ignoram ou amaldiçoam a Deus. Orgulhoso, não temia a coisa alguma e nutria grande despeito por quaisquer leis que não fossem as suas. Enquanto escalava as paredes de Tebas, amaldiçoou Júpiter, que o matou com um raio. Voltar 14.7 O velho da ilha de Creta: A figura do velho de Creta é tirada da Bíblia (Daniel 2:32-35) e aparece em sonho do rei Nabucodonosor. A interpretação, porém, é diferente. No primeiro livro de Metamorfoses, Ovídio utiliza o ouro, prata, bronze e ferro para descrever as quatro eras do homem, e esta alegoria provavelmente se aproxima mais daquela pretendida por Dante. Segundo a interpretação do tradutor Mark Musa, a cabeça de ouro representa a idade dourada do homem (antes da expulsão do paraíso). É a única parte da estátua que não está podre. Os braços e peito de prata, o peito de bronze e as pernas de ferro representam as três eras da decadência do homem. O pé de ferro pode simbolizar o Império e o pé de argila, a Igreja, enfraquecida pelas disputas políticas.[Musa 95] A estátua fica no meio do oceano e tem as costas viradas para o mundo antigo, pagão (Damieta, um importante porto egípcio) e a frente virada para o mundo moderno, cristão (Roma). Voltar 14.8 O rio Letes: localiza-se, de acordo com a mitologia clássica, no inferno (Hades). Era onde os mortos se banhavam e esqueciam sua existência anterior. Na Comédia de Dante, Letes é um rio do purgatório onde as almas penitentes se banham e se purificam para que possam ter acesso ao Paraíso. Letes também é o córrego que flui através da gruta que Virgílio e Dante atravessam para chegar do inferno ao purgatório (Canto XXXIV). Voltar |