Notas Explicativas

Canto X

10.1 Eis a serva de Deus. Esta escultura é a primeira das três imagens que demonstram exemplos de humildade (a virtude oposta à soberba, que se purga neste primeiro círculo do Purgatório). A imagem reflete a humildade de Maria ao aceitar ser a mãe de Cristo. A inscrição, que no original aparece em latim: Ecce ancilla Dei, tem origem na Bíblia (Lucas 1:38) onde Maria aceita sua missão divina: "Disse, então, Maria: Eu sou a serva do Senhor. Cumpra-se em mim segundo a tua palavra. E o anjo ausentou-se dela." (trad. João Ferreira de Almeida) Voltar

10.2 As esculturas, o 'látego' e o 'freio': Na entrada de cada um dos círculos do Purgatório haverá uma seqüência de imagens, sons, vozes ou visões que representam a virtude oposta ao pecado que lá é purgado. É o látego (ou chicote) que assola as almas permanentemente, e as impele na direção certa. Os exemplos, indicam o caminho que deve ser seguido. Na saída, uma representação do mesmo tipo (imagens, sons, vozes, visões, etc.) mostrará exemplos do pecado que foi purgado naquela cornija. É o freio da cornija, que representa exemplos que devem ser abandonados. Os termos "látego" e "freio" (que fazem referência aos comandos de controle de um carro puxado por cavalos) são usados por Virgílio no canto XIII. Voltar

10.3 O látego do orgulho, neste canto aparece na forma de esculturas nas paredes da cornija (os exemplos são Maria, Trajano e Davi). Neste círculo, o freio também será representado como esculturas (canto XII), desenhadas no chão. Voltar

10.4 A segunda escultura representa a humildade do rei Davi diante do povo, durante o transporte da Arca do Senhor a Jerusalém. Quando a Arca chegou à cidade, Mical, esposa de Davi, observou o rei dançando alegremente no meio do povo, e sentiu desprezo por ele. Disse-lhe "Quão honrado foi o Rei de Israel, descobrindo-se hoje aos olhos das servas de seus servos, como um vadio qualquer que se tira a roupa sem pudor." (2 Sam 6:20) Davi respondeu "Ainda mais do que isto me envilecerei, e me humilharei aos meus olhos. Quanto às servas de quem falaste, delas serei honrado." E Mical não teve filhos até o dia de sua morte. (trad. João Ferreira de Almeida) Voltar

10.5 A terceira escultura representa o imperador Trajano, que era pagão mas que teve garantido um lugar no Paraíso por causa das orações do papa São Gregório. Segundo a lenda, narrada por Brunetto Latini na sua obra Fiore di Filosofi, Trajano estava já montado em seu cavalo, prestes a partir para a guerra com seu exército, quando foi abordado por uma humilde viúva. A mulher, chorando, pediu que ele fizesse justiça contra os que, sem motivo, mataram seu filho. Trajano a respondeu, dizendo: "Logo que eu retornar, eu farei o que pedes." Ela então questionou: "E se o senhor não retornar?". Se eu não retornar", respondeu Trajano, "o meu o meu sucessor o fará." Mas ela insistiu: "Como saberei que ele irá me atender? E se ele o fizer, de que serve ao senhor o bem feito por outro? O senhor é quem me fez uma promessa e, de acordo com as vossas ações, sereis julgado; se é fraude um homem não pagar o que deve, a justiça feita por outro não irá vos libertar, e será útil ao vosso sucessor que ele se liberte." Convencido por tais palavras, o imperador desceu do cavalo e foi atender ao pedido da viuva. Depois, montou seu cavalo, e foi à guerra. Muitos anos depois, Gregório, ao tomar conhecimento dessa história, ordenou que desenterrassem o imperador. Ao abrir o túmulo, percebeu que tudo havia se transformado em cinzas, exceto seus ossos e sua língua, que era como a de um homem vivo. E assim São Gregório tomou conhecimento da justiça do imperador, pois a sua língua sempre a havia pronunciado. Ele então implorou a Deus que tirasse a alma de Trajano do Inferno. Deus, por suas orações, colocou Trajano no Paraíso. Um anjo, depois, procurou Gregório e o advertiu, dizendo que nunca mais fizesse uma oração assim. Deu-lhe uma penitência, que poderia escolher: dois dias no Purgatório ou o resto da vida com febre e dor no lado. Ele escolheu a dor menor e viveu o resto da vida doente. [Longfellow 67] Voltar

10.6 Os orgulhosos habitam o primeiro dos sete círculos do purgatório principal. Na explicação que será dada por Virgílio, mais adiante, o orgulho é o primeiro dos três pecados capitais que são resultantes do amor pervertido, direcionado contra o próximo. Sendo o orgulho a raiz de todo pecado, este círculo é o que mais se distancia de Deus, pois o orgulhoso deseja ter todo o mundo voltado para si, tentando, assim, ocupar o lugar de Deus. [Sayers 55] Voltar