Canto X

Primeira cornija - Os orgulhosos

Quando finalmente ouvimos a porta se fechar atrás de nós, eu pensei no que aconteceria se eu olhasse para trás. Como é que eu pediria perdão por uma falta dessas?

Subíamos por uma fissura na pedra, que formava um caminho em zigue-zague, quando o meu guia falou:

- Aqui convém ter cuidado. Procura te encostar na parte externa da curva.

O esforço que fazíamos para subir era tanto que a Lua já havia se posto quando finalmente escapamos daquela gruta. Paramos, enfim, sobre um terraço plano e desabitado. A beirada lisa aparentava rodear toda a montanha, até onde eu podia ver, e tinha a mesma largura formando um patamar em volta do monte. Da beira do precipício até o pé da subida íngreme, cabiam três homens deitados.

E então eu percebi que o penhasco interno, que não oferecia meio algum de subida, era de mármore branco adornado com vários entalhes em relevo. As formas eram tão perfeitas que fariam inveja não só aos melhores escultores como à própria natureza.

A imagem do anjo que desceu à Terra para anunciar a paz tão esperada pelos homens só faltava falar, de tão perfeita que era sua escultura. Poderia-se jurar que ele dizia "Ave!", pois aquela que nos trouxe ao mundo o Amor Supremo também estava lá representada. Em volta de sua imagem estavam as palavras: Eis a Serva de Deus.

- Esta não é a única escultura - disse o mestre. - Por que não olhamos as outras?

E então eu segui o mestre e contemplei, além da imagem de Maria, outra história inscrita na rocha. No mármore se via o carro e os bois puxando a santa Arca. Na sua frente havia sete coros tão realistas que meus sentidos ficavam em dúvida. Uns sentidos diziam "não", e outros "sim, eles estão cantando!". Semelhantemente, os fumos esculpidos do incenso eram tão perfeitos que meus olhos e nariz não sabiam decidir entre o sim e o não.

Adiante, bem à frente da Arca, o modesto salmista Davi dançava, se mostrando tanto mais e menos que um rei. Na janela estava sua mulher Micol, observando com desdém.

Me afastei um pouco para observar mais uma terceira história, contada no relevo do mármore. Lá estava o nobre imperador Trajano, cercado por cavaleiros, águias e todo o seu exército. Do seu lado estava a pobre viúva, que lhe pedia ajuda. Podia-se ouvir o diálogo entre os dois e, ao fim, o momento em que o imperador deixa as suas preocupações para atender ao humilde pedido da velhinha.

Enquanto eu me deleitava admirando aqueles exemplos de humildade, o mestre me sussurrou:

- Olha lá! Lá vêm eles! Vê como se aproximam lentamente! Eles nos mostrarão o caminho até os degraus.

- Mestre - respondi - o que é isto que eu vejo se aproximar? Não parecem pessoas não! Eu não sei o que são! Minha vista está confusa.

- A grave condição de seu tormento - disse ele - tanto os esmaga contra a terra que eu mesmo não tinha certeza do que estava vendo. Mas presta bem atenção e verás o que se move debaixo daquelas pedras e entenderás a pena que os golpeia.

Ó orgulhosos cristãos, miseráveis e cansados. Não vedes que somos meras larvas, nascidas para formar a angélica borboleta que à Justiça voa sem defesa? Por que vossas pretensões são tão altas se não sois mais que insetos defeituosos?

As almas pareciam aquelas estátuas que, como pilares, sustentam uma cornija nas costas, e dobram o peito até o joelho. Algumas estavam mais abaixadas que as outras, conforme a carga que levavam nas costas, mas mesmo a mais paciente de todas parecia dizer, em pranto: "Mais que isto, não posso!"