Canto VI

Arrependidos na hora da morte - Espírito de Sordello Discurso de Dante sobre a decadência da Itália

Todas as almas me cercavam, implorando por atenção. Eu me virava de um lado para outro, atendendo aos seus pedidos e com promessas eu ia, aos poucos, escapando.

Lá estava Benincasa, o juiz aretino que foi morto por Ghin di Tacco; lá estava Guccio, que, durante a batalha, se afogou no Arno ao perseguir seus inimigos. Com as mãos estendidas, Frederico Novello implorava por minha atenção, junto com Farinata de Pisa. Vi ainda o conde Orso e, pouco depois, Pierre de la Brosse, vítima do ódio e inveja da rainha de Brabant, esta que, ainda estando viva, deve cuidar para não acabar no Inferno.

Depois que finalmente consegui me livrar da multidão de almas, que apenas pediam que os vivos orassem por eles, indaguei ao mestre:

- Me parece que tu negas, mestre, em algum texto teu, que a oração teria poderes para mudar os decretos divinos. Porém estas pessoas imploram exatamente por orações! Que significa isto? Será que todas as suas esperanças são vãs? Ou será que eu não te compreendi bem?

- O que eu escrevi é bastante claro, e significa exatamente o que parece - respondeu Virgílio -, mas se prestares bem atenção, verás que suas esperanças têm fundamento. A justiça suprema não é abalada quando um amor sincero e ardente cumpre, de imediato, a pena imposta a estas almas. E lá onde eu escrevi sobre este assunto, eu me referia à prece daqueles que não têm acesso a Deus. Mas não tentes resolver agora esta questão. É questão de fé e eu não entendo. Espera encontrares Beatriz pois ela será para ti a luz entre a verdade e o intelecto.

- Senhor - falei - vamos então apressar o nosso passo, pois eu prometo não me cansar mais. E veja! A montanha agora já faz sombra!

- Nós continuaremos enquanto durar a luz do dia - respondeu ele - mas as coisas não são da forma como parecem. Por mais que nos apressemos, não chegaremos ao pico antes que o Sol, que agora se esconde atrás da montanha, ressurja. Mas vê aquela alma solitária que nos olha. Ela nos mostrará o melhor caminho.

Nós caminhamos na direção do espírito, que, calado, não falou uma palavra sequer. Virgílio então se dirigiu a ele e perguntou sobre o melhor caminho para subir. A sombra ignorou a pergunta, perguntando sobre nossa origem. Quando o mestre começou falando "Mântua...", a sombra, antes contida, se levantou dizendo:

- Ó mantuano, eu sou Sordello da tua terra! - E depois, os dois se abraçaram.

Ah serva Itália, lar do pesar, nau sem piloto em grande tempestade, não és nenhuma rainha de províncias, mas um bordel! Como foi presta, aquela alma gentil, só pelo doce nome de sua terra a fazer festa ao encontrar seu concidadão. Mas agora, não vives sem guerra, e mesmo aqueles que moram dentro das mesmas muralhas, vivem devorando uns aos outros. Busca, miserável, no teu interior e nas tuas costas, se há algum lugar que esteja em paz segura. Os padres deveriam ser devotos e cuidar das coisas de Deus, deixando a César o que é de César. Ó Alberto, imperador, tu abandonas a Itália, deixando que, sem governo, ela se rebele como uma fera indomável e selvagem. Como teu pai, ávido por dominar outras terras, tens permitido que o jardim do império seja esquecido. Vem ver os Montecchi e Cappelletti, os Monaldo e Filippeschi, arruinados e temerosos do seu destino. Vem, ó cruel, vem ver o sofrimento de teus nobres. Vem para a tua Roma que chora, viúva e só, e que dia e noite chama: "Ó César meu, por que me abandonaste?" Mas vem ver como a gente se ama! E, se não tens piedade de nós, vem para te envergonhares de tua fama.

É lícito pensar, ó sumo Jove, que foste na Terra por nós crucificado, que teus justos olhos não mais nos olham? Ou é parte de um grande plano que preparas para o nosso bem e que somos incapazes de compreender? Todas as cidades da Itália estão dominadas por tiranos. Mas tu, Florença minha, deves ficar contente com esta digressão que não te toca. Muitos têm a justiça no coração; pensam antes de julgar, mas a tua gente abre a boca sem pensar. Muitos recusam altos cargos, discretamente, mas o teu povo solícito responde, sem ser chamado: "Eu me submeto!". Mas alegra-te! Tu que és rica, sábia e que vives em paz! Tua ordem e justiça são incomparáveis. No meio de novembro as leis criadas em outubro já eram. Quantas vezes mudaste lei, moeda, ofícios, costumes e governo, Ó Florença? Se recordas bem e buscas a luz, te verás semelhante àquela enferma que não consegue descansar no seu leito macio, mas sobre si rola para fugir da dor que sente.