Canto XXII

Subida para a sétima cornija - Diálogo entre Virgílio e Estácio - A árvore e a água

Agora já havíamos deixado para trás o anjo que nos encaminhou ao sexto giro. Ele apagou mais uma marca do meu rosto dizendo "Bem-aventurados são os que têm sede de justiça". Eu, bem mais leve, subi sem dificuldades atrás daqueles espíritos velozes, quando Virgílio começou:

- Amor, aceso pela virtude, sempre outro acende, enquanto a chama do primeiro ainda é visível. Desde aquele dia em que Juvenal se juntou à nós no Limbo do Inferno e me contou de tua afeição por mim, meu bem-querer por ti foi o maior que já senti por uma pessoa não vista. Mas dize-me, e como amigo me perdoa por perguntar-te, como encontraste em teu coração lugar para a avareza, estando ele pleno de tanto saber por ti cultivado?

Com essas palavras, Estácio esboçou um leve sorriso e depois respondeu:

- Tudo o que falaste revela teu amor por mim. As aparências, é verdade, podem dar lugar a suspeitas infundadas. Na tua pergunta tu crês que fui avaro na outra vida provavelmente por ter me encontrado naquele círculo. Na verdade, eu estava bem longe da avareza; longe demais até: fui um pródigo. Foi por esse excesso que durante tantas luas fui punido. E se eu não tivesse corrigido o meu rumo eu estaria agora rolando pesos eternamente naquela vil competição infernal. Felizmente tive a oportunidade de meditar sobre aquelas linhas que escreveste: "Até onde, ó sacra fome de ouro, regerás o apetite dos mortais?" Foi então que eu entendi como as mãos poderiam abrir demais as asas nos gastos, e desse erro me arrependi, e de outros males também. Saibam, portanto, que os que cometem pecados desejando através deles anular pecados contrários são sempre punidos no mesmo círculo desta montanha. Então, se eu fui posto ao lado daquela gente que chora pela sua avareza, é porque meu pecado foi o seu extremo oposto.

- Agora, quando cantasse as armas dos filhos de Jocasta - disse o autor das Bucólicas -, que escrevestes sob a inspiração de Clio, não me pareceu que abraçavas a fé cristã. Se isto é verdade, que luz iluminou teu caminho para que tu encontrasse o portal de São Pedro?

- Foste tu, Virgílio - respondeu Estácio -. Foi a tua luz que me mostrou o caminho de Deus. Tu foste o viandante solitário que à noite, leva sua lanterna nas costas, que não serve a si, mas àqueles que vêm atrás. Por ti fui poeta, e por ti também, cristão. Tu disseste: "Nasce uma nova era, volta a justiça e os primeiros tempos do homem, e uma nova progênie do céu descende." Naquele tempo, já havia rumores da crença verdadeira semeada pelos apóstolos. Tuas palavras, que há pouco citei, eram tão parecidas com aquelas anunciadas pelos pregadores, que eu me tornei um visitante assíduo de suas pregações. Tão santos me pareceram que, quando Domiciano os perseguiu, eu chorei, como eles choraram no seu sofrimento. Enquanto vivi, eu os socorri, e os seus hábitos virtuosos me fizeram desprestigiar todas as outras crenças. Antes de terminar o sétimo livro da Tebaide, fui batizado, mas por medo fui um cristão secreto, sempre dando exemplos de paganismo. Por causa disso, permaneci ainda por quatro séculos na quarta cornija, purgando a minha indiferença. Agora, eu gostaria de saber de ti, se souberes, onde está o nosso Terêncio? E Plauto, Cecílio e Vário?

- Todos eles - respondeu o meu guia - estamos com Homero, no primeiro círculo do cárcere cego. Lá, sempre discorremos sobre o monte, onde vivem nossas nove musas. Lá também estão Eurípides e Antifonte, Simônide, Agatão e vários outros gregos famosos, além de diversos personagens de tuas obras.

Já libertos das escadas e das paredes, os poetas se calaram e agora dedicavam sua atenção às redondezas. Já estávamos na quinta hora do dia quando o meu guia falou:

- Creio que devemos rodear o monte como temos feito até agora, seguindo para a direita.

E assim, o hábito foi o nosso guia e prosseguimos sem hesitar, com a concordância de Estácio. Os dois iam na frente e eu os seguia. Eles continuaram a conversar e só pararam quando chegamos a uma árvore repleta de frutos, cuja fragrância inundou o ar. Assim como o pinheiro se afila para cima, esta árvore se afilava para baixo, para que ninguém pudesse alcançá-la, imaginei. Do lado onde fica a parede da montanha, uma água clara brotava das nascentes e banhava suas folhas mais altas.

Quando os dois poetas finalmente chegaram à arvore, dela saiu uma voz, gritando:

- "Este alimento a vós será negado!" - e depois - "Mais pensava Maria em como fazer o casamento com plenitude, que em sua boca, que agora vos responde!" "As antigas romanas estavam contentes, mesmo quando, para beber, só havia água!" "Daniel desprezou a comida mas adquiriu saber!" "A primeira era do homem foi bela como ouro: a fome tornou os frutos saborosos; a sede fez o néctar fluir em todos os riachos." "Mel e gafanhotos foram os alimentos do Batista no deserto, e por isso ele é aquela figura gloriosa que no evangelho vos é revelado."