Minós - Círculo da luxúria (2)
Espíritos de Paolo e Francesca
Assim que entramos no segundo
círculo, lá estava Minós, rangendo terrivelmente.
Ele ficava na entrada e recepcionava os pecadores, julgando-os um por
um. Ouvia suas confissões e proferia a sentença, se enrolando na própria
cauda. O número de voltas que dava a sua cauda indicava quanto deveria
descer o pecador para o seu lugar nas profundezas do inferno. Uma grande
multidão se amontoava diante daquele juiz. Cada pecador falava, ouvia
sua sentença, e era atirado no abismo.
- Ó tu que entras no asilo da dor - disse Minós ao me ver, interrompendo
seu ofício -, vê bem em quem confias e como entras aqui. É fácil de
entrar, mas não te enganes!
- Por que gritar? - respondeu Virgílio ao juiz dos mortos - Não podes
impedir esta jornada, pois lá, onde tudo o que se quer se pode, isto
se quer e não peças mais nada!
Minós se calou, e nós prosseguimos. Pouco a pouco comecei a perceber
sons tristes, muito pranto e lamentos. Neste lugar escuro onde eu me encontrava,
o som das vozes melancólicas se assemelhava ao assobio do mar durante
uma grande tormenta. Os tristes sons emanavam de um enorme redemoinho.
Eram almas sofredoras, sacudidas pelo vento que nunca cessava. Entendi
que era o castigo pela transgressão da carne, que desafia a razão, e a
submete à sua vontade.
No escuro vento vi várias sombras que passavam se lamentando e ao mestre
perguntei:
- Mestre, quem são essas pessoas que o vento tanto castiga?
- A primeira, cuja história deves conhecer - explicou o mestre -, foi
imperatriz de povos de muitas línguas. É Semíramis,
a sucessora e esposa de Nino. A que a segue é a viúva
de Siqueu, que se matou por amor. Ali tu vês Cleópatra,
luxuriosa. Veja Helena, e também
Aquiles, Páris,
Tristão. - e, uma por uma, me indicou
outras mil sombras que tiveram suas vidas desfeitas pelo amor.
- Poeta - eu falei - eu gostaria, se for possível, de falar com aqueles
dois, unidos, que tão leves parecem ser ao vento.
- Espera - respondeu -, em breve estarão próximos de nós, e quando a
fúria do vento diminuir, peça, pelo amor que os conduz, que eles virão.
Então, quando a tormenta cedeu um pouco, eu chamei:
- Ó almas sofridas, falai conosco, se isto for permitido! Elas ouviram,
entenderam meu pedido. Deixaram o bando onde estavam as outras e se aproximaram.
Uma delas falou:
- Ó ser gracioso e benigno, o que desejares ouvir ou falar conosco,
nós ouviremos e falaremos, se o vento permitir. Nasci na terra onde o
Pó deságua. Amor, que ao coração gentil logo se prende, tomou este aqui,
pela beleza da pessoa que de mim foi levada, e o modo ainda me ofende.
Amor, que a nenhum amado amar perdoa, prendeu-me, pelo seu desejo com
tanta força que, como vês, ele ainda não me abandona. Amor nos conduziu
a uma só morte. Caína aguarda aquele que tirou as nossas vidas.
Ao ouvir esse lamento, baixei o rosto, e permaneci assim, até Virgílio
me despertar. Voltei novamente àquele casal, e perguntei:
- Francesca, o teu martírio me traz lágrimas
aos olhos, mas dize-me, como permitiu o amor que tomásseis conhecimento
de vosso sentimento recíproco?
- Não há maior dor, que lembrar da felicidade passada - disse ela - mas
se teu grande desejo é saber, te direi como quem chora e fala. Líamos
um dia a sós, sobre o amor que seduziu Lancelote.
Várias vezes essa leitura nos ergueu olhar a olhar. Mas foi quando chegamos
àquele ponto que falava do sorriso que desejava ser beijado por um perfeito
amante, que este aqui que nunca me seja apartado, tremendo, beijou-me
na boca naquele instante. Nosso Galeoto foi aquele livro e quem o escreveu.
Desde aquele dia, não o lemos mais adiante.
Enquanto uma alma contava a sua história triste, a outra chorava sem
parar ao seu lado, e eu, comovido de piedade e dor, desmaiei, e caí como
um corpo morto cai.