Canto XXIXVala dos falsários - AlquimistasTanta gente ferida e sofrendo deixaram meus olhos inundados de lágrimas. Virgílio notou e me perguntou: - O que procuras? Por que olhas tanto para essa gente? Nos outros fossos isto não aconteceu. Se quiseres contar todos, lembra-te que o vale se estende por 22 milhas e a lua já se encontra aos nossos pés. Vamos andando porque o tempo é curto e há muito mais para ver adiante. - Se soubesses o que eu estava procurando, talvez tivesses deixado eu permanecer por mais tempo. - falei e continuei a seguir o mestre, que não parou para me ouvir. Acrescentei - Dentro daquela vala, onde eu mantinha o olhar, acredito que esteja um espírito da minha família, a chorar pela sua culpa aqui punida. - Não tenhas tal preocupação com ele pois ela não é recíproca. - respondeu o mestre. - Quando estávamos lá ao pé da ponte pude vê-lo te ameaçar com o dedo erguido e prestei atenção quando falaram seu nome: "Geri del Bello". Tu não ouviste porque estavas demais entretido com a cabeça falante de Bertran de Born. - Ó mestre meu, a violenta morte que não lhe foi vingada - disse eu -, o deixou indignado, acredito, e foi essa a razão pela qual se escondeu sem querer falar comigo. É por isso que sinto pena e tristeza por ele. Continuamos a conversar até chegarmos a um ponto, desde a ponte, onde já era possível avistar o vale inteiro. Só o vale. Dentro dele não se via nada por causa da escuridão. Quando finalmente estávamos no meio da ponte que atravessa este último claustro do Malebolge pudemos vê-lo por completo, e ouvir gritos tão terríveis que me levaram a cobrir os ouvidos. Amontoados naquela vala estavam centenas de doentes, com seus membros apodrecendo como leprosos. O ar estava dominado por um cheiro forte de carne podre. Descemos por uma via à esquerda da saída da ponte até chegar a um ponto onde se tinha uma visão mais nítida daquele poço, onde são punidos os falsários. A visão era terrível. Por todo o vale se estendiam montes de espíritos empilhados, tão cansados que mal se moviam. Uns se estiravam, de bruços ou de costas, sobre os corpos dos outros. Outros se arrastavam, lentamente, com dificuldade. Passo a passo andávamos sem dizer uma palavra, vendo aquelas almas doentes, incapazes de levantar seus corpos deformados. Vimos dois pecadores sentados, um de costas para o outro, com os corpos totalmente cobertos de sarnas. Eles se coçavam freneticamente, afundando suas unhas na pele e tentando, em vão, atenuar a coceira que nunca cessava. - Tu que arrancas tua pele com as unhas - dirigiu-se Virgílio a uma das almas - dize-me se existe algum latino aqui presente, para que tuas unhas possam servir a esse teu trabalho eternamente. - Latinos somos nós que tu vês aqui, desfigurados. - respondeu um deles chorando - Mas quem és tu e por que nos perguntas? - Sou o guia deste ser vivente - respondeu o mestre - e aqui desci com a intenção de mostrar-lhe todo o inferno. Com a explicação, ambos viraram-se, lentamente, na minha direção. O mesmo fizeram outros, mais distantes, que ouviram essas palavras. O mestre então pediu que eu fizesse as perguntas que desejasse. - Para que a memória de vós não desapareça das mentes dos homens no mundo primeiro - falei -, dizei-me quem sois e de onde viestes. - Eu fui alquimista de Arezzo e este aqui é Alberto, que me condenou à fogueira. Eu lhe disse brincando que eu sabia levitar e ele, insatisfeito por eu não tê-lo transformado em um Dédalo, reclamou ao seu protetor, que me mandou queimar. Mas não foi por isto que estou aqui. Por ter no mundo usado a alquimia, Minós não se enganou e me colocou aqui, entre os falsários. Eu comentava com o mestre sobre a ingenuidade do povo de Siena quando outro, que me ouvira falar, se aproximou e disse: - Se achas mesmo isto do sienenses, então olha pra mim. Eu sou Capocchio, que falsificava metais e moedas. Deves lembrar-te de mim e saber que eu não era nada ingênuo pois falsificava muito bem. |