Canto XVIEspíritos de políticos florentinosChegávamos onde já se ouvia o ruído da água que caía no outro círculo, com um som semelhante ao zumbido que se ouve ao aproximar-se de uma colmeia, quando chegaram até nós três sombras, correndo, se separando de seu grupo que nos passava. - Pára, tu, de vestes conhecidas! - gritavam - Pára pois pareces ser de nossa terra perversa (Florença). Ó tristes almas sofredoras! Quantas vi com seus membros repletos de feridas novas e antigas, queimaduras que ainda me doem só de pensar. Os seus gritos chamaram a atenção do mestre, que voltou-se para mim e disse: - Espera! Com estas almas te rogo cortesia. Paramos. Os três espíritos, que não podiam parar, logo formaram uma roda e começaram a andar em um círculo. Enquanto circulavam, cada um mantinha o rosto virado na minha direção, de forma que enquanto o pescoço virava para um lado, os pés seguiam para o outro. - Se a miséria deste solo estéril - falou um deles - e nossas queimaduras, bolhas e peles descascadas te causam repugnância, deixa que a nossa fama te anime a dizer quem és tu, que vivo caminhas por este inferno. Este na minha frente, embora corra nu com o corpo esfolado, foi figura de alto grau no mundo. Seu nome era Guido Guerra e muito ele cumpriu com seus conselhos e com a espada. Este outro, que está atrás de mim, é Tegghiaio Aldobrandi, cuja voz o mundo faria bem em ouvir. E eu, sou Jacopo Rusticucci. Eu fiquei tão comovido com o sofrimento daqueles espíritos que, se não fosse a chuva de brasas e o fogo, eu teria ido ao encontro deles, com a aprovação do mestre. Tive vontade de descer do dique e abraçá-los mas não o fiz por receio de me queimar. Depois falei: - Não repugnância, mas tristeza sinto por vossa condição. É verdade que eu sou da vossa terra. Lá, eu sempre ouvi falar muito bem de vossas obras e de vosso caráter. - Que longamente possa tua alma continuar a guiar teus membros - disse o mesmo que antes havia falado - e ainda depois, possa tua fama continuar a brilhar, mas dize, cortesia e valor ainda vigoram em nossa terra? Pois Guglielmo Borsiere, que recentemente juntou-se a nós, trouxe notícias que nos causaram imensa tristeza. - Os novos povos e seu rápido enriquecimento têm estimulado o orgulho e descontrole em ti, Ó Florença! - gritei, e eles se olharam, tomando isso como resposta. - Se sempre respondes de forma tão clara - falaram todos - feliz de ti quando precisares discursar. Logo, se conseguires sair destas trevas e um dia voltar a rever as estrelas, não deixes de falar de nós aos que ainda vivem! Depois desfez-se a roda e sumiram os três. Virgílio, então, decidiu que já era hora de partirmos também. Caminhamos e eu o segui até que chegamos a um ponto onde o ruído das águas tornou-se tão intenso que mal podíamos ouvir nossas próprias vozes. Eu mantinha uma corda enrolada na cintura, que, em uma outra ocasião, pensei em usar para vencer o leopardo na floresta. O mestre a pediu, e eu a desenrolei entregando-a nas suas mãos. Ele a pegou e caminhou até a borda do precipício, de onde a jogou no abismo profundo. Diante de tal cena eu pensei: "Algo deverá acontecer, pois algum evento o mestre busca com o olhar". Lendo os meus pensamentos, Virgílio me respondeu: - O que tua mente espera logo surgirá à tua visão. Mal ele havia terminado de falar, eu vi surgir da escuridão, nadando naquele ar denso e escuro, uma grande e estupenda figura que assombraria até os corações mais seguros. Ela já reduzia a sua velocidade e preparava-se para pousar na beira do precipício, estirando suas garras e recolhendo seus pés. |