Notas Explicativas

Canto XXIX

29.1 Bem-aventurados são aqueles cujos pecados são remidos (Beati quorum tecta sunt peccata, em latim, no original) é o verso que inicia o Salmo 32. Voltar

29.2 Ó sagradas virgens...: Aqui o poeta invoca as Musas, para inspirá-lo e permitir que ele seja capaz de descrever o que virá a seguir. Urânia é a musa da astronomia, que Dante invoca pois o que segue exige conhecimento das coisas do céu. Das fontes da Helicona (veja nota 28.3), lar das nove musas, vêm toda a inspiração poética. Voltar

29.3 Os sete candelabros de ouro são uma imagem apocalíptica: "E ao voltar-me, vi sete candelabros de ouro" (Apocalipse 1:12) que, naquele livro, representam as sete igrejas da Ásia a quem se destina a revelação: "O mistério (...) dos sete candelabros de ouro é este: (...) [eles] são as sete igrejas" (Apocalipse 1:20). Os sete candelabros também abrem a procissão de Corpus Christi, promulgada pelo papa Urbano IV, em 1264 [Sayers 55]. Alguns comentaristas os associam aos sete sacramentos da Igreja Católica, outros aos sete dons do Espírito Santo (sabedoria, entendimento, conselho, coragem, conhecimento, piedade, temor a Deus) [Pinheiro 60]. Voltar

29.4 Os vinte e quatro senhores são outra imagem apocalíptica: "Ao redor do trono também havia vinte e quatro tronos, e vi assentados sobre os tronos, vinte e quatro anciãos, vestidos de branco, que tinham nas suas cabeças coroas de ouro" (Apocalipse 4:4). No Purgatório de Dante, Os anciãos representam os 24 livros do Velho Testamento da forma como foram agrupados por São Jerônimo: Gênesis, Êxodo, Levítico, Números, Deuteronômio, Josué, Juizes, Rute, Reis, Crônicas, Esdras, Tobias, Judite, Ester, , Salmos, Provérbios, Eclesiastes, Cântico dos Cânticos, Sapiência, Eclesiástico, Profetas Maiores, Profetas Menores e Macabeus [Pinheiro 60]. Na procissão, os anciãos usam uma coroa branca de flor-de-lis, que simboliza a pureza da fé e da doutrina [Longfellow 67] (veja outra interpretação na nota 29.13). Eles cantam "Bendita sejas tu entre as filhas de Adão", que é a saudação que o anjo Gabriel faz a Maria (Lucas 1:28) Voltar

29.5 Os quatro seres que protegem a carruagem são descritos no livro do Apocalipse 4:6-8:

(...) e ao redor do trono, um ao meio de cada lado, [havia] quatro seres viventes cheios de olhos por diante e por detrás. O primeiro ser era semelhante a um leão, o segundo semelhante a um touro, o terceiro tinha o rosto como de homem, e o quarto era semelhante a uma águia voando. Os quatro seres viventes tinham, cada um, seis asas, e ao redor, e por dentro, estavam cheios de olhos (trad. João Ferreira de Almeida).

e também em Ezequiel 1:5-10:

(...) e do meio do fogo saía a semelhança de quatro seres viventes. Esta era a sua aparência: tinham a semelhança de homem; cada um tinha quatro rostos, como também cada um deles quatro asas. (...) A semelhança dos seus rostos era como o rosto de homem, e à mão direita os quatro tinham rosto de leão, e à esquerda tinham rosto de boi; também os quatro tinham rosto de águia (idem).

Dante diz que as quatro criaturas são como as de Ezequiel (com quatro rostos) mas têm seis asas como no Apocalipse (mas não em Ezequiel onde têm quatro). As criaturas são cobertas de "olhos", como os olhos de Argus (que cobrem as penas do pavão). Os quatro animais tradicionalmente simbolizam os quatro evangelhos: Mateus, Marcos, Lucas e João. Na interpretação de São Jerônimo, o homem é Mateus, porque ele começa o evangelho com a geração humana de Cristo. O leão, que simboliza a realeza, é Marcos, porque levou adiante a dignidade real de Cristo. O boi, que simboliza o sacrifício, é Lucas. A águia, símbolo divino da mais alta inspiração, é João [Longfellow 67]. Voltar

29.6 A carruagem simboliza a igreja de Cristo. As suas duas rodas têm geralmente sido interpretadas como sendo o Novo e Velho Testamentos (que sustentam a Igreja), mas no Paraíso, Dante se refere a elas como sendo São Domingos e São Francisco (Paraíso XII: 106). Quem puxa o carro é o grifo (nota 29.7) que pode simbolizar Cristo ou o Papa. Voltar

29.7 O grifo é a criatura mitológica que tem patas e corpo de leão com cabeça e asas de águia. Para a maior parte dos comentaristas, o grifo representa Cristo com suas duas naturezas humana e divina. Dorothy Sayers explica que "até onde ele é ave (divina) é coberto de ouro incorruptível; até onde ele é animal (humano) é coberto de manchas vermelhas e brancas. Vermelho e branco são as cores que Dante atribui respectivamente ao Novo e Velho Testamentos. (...) São também as cores do amor e da justiça. Mas são especialmente as cores do próprio sacramento: a Carne e o Sangue, o Pão e o Vinho." [Sayers 55]. Outros comentaristas, porém, acharam estranho o Filho de Deus ser representado puxando uma carruagem e preferem acreditar que o grifo de Dante representa o Papa, que é uma pessoa que assume duas formas: a de pontífice, representada pela águia, capaz de voar até o trono de Deus, e a de rei, representado pelo leão, que tem força e poder sobre a Terra [Pinheiro 60]. Voltar

29.8 As três damas que dançam em círculo à direita do carro representam as três virtudes teológicas ou evangélicas: caridade (vermelha), esperança (verde) e fé (branca). Voltar

29.9 As quatro moças de púrpura dançam fazendo festa: Representam as quatro virtudes cardeais: justiça, prudência, fortaleza temperança, que regem a conduta humana. Estão todas vestidas de púrpura que é a cor da nobreza e do Império, pois são a base da autoridade imperial. A prudência tem três olhos para que possa olhar para o presente, passado e futuro. Por estarem do lado esquerdo do carro, estas virtudes são inferiores às outras três [Musa 95]. Voltar

29.10 Os dois velhos representam as obras de Lucas e Paulo. Lucas, o autor dos Atos dos Apóstolos, é lembrado como um médico (seguidor de Hipócrates) devido a crença fundada em Colossenses 4:14: "Saúda-vos Lucas, o médico amado." As epístolas de Paulo (Romanos, Coríntios, Gálatas, Efésios, Filipenses, Colossenses, Tessalonicenses, Timóteo, Tito, Filemom e Hebreus) são representadas por um ancião portando uma espada, símbolo do martírio. Voltar

29.11 Os quatro anciãos em trajes humildes representam as epístolas canônicas dos apóstolos Tiago, Pedro, João e Judas. Voltar

29.12 O ancião solitário representa o Apocalipse de João. Ele é representado andando como em sonho, talvez para indicar que a obra é uma revelação profética, enigmática como um sonho. Voltar

29.13 As coroas dos sete últimos anciãos eram adornadas com rosas vermelhas (que pareciam chamas) em vez de lírios brancos (como os primeiros 24 anciãos - nota 29.3). Há várias especulações sobre o significado simbólico das coroas, mas não há consenso. Dorothy Sayers interpreta os lírios brancos como a justiça da Lei do Velho Testamento e as rosas vermelhas como o amor do Evangelho [Sayers 55]. Voltar