Notas ExplicativasCanto XII12.1 Dante e o orgulho: o poeta sente o peso desse pecado em sua própria alma, tanto que não consegue levantar os olhos e olhar para a frente. Na cornija seguinte, Dante admite, ao conversar com um espírito sobre o dia em que voltará à montanha, que já sente "a carga do peso sobre suas costas". Voltar 12.2 O freio do orgulho (imagens no chão): Essas imagens, esculpidas no chão são vistas pelas almas (e por Dante) que andam com a cabeça abaixada. No poema original, o poeta descreve as imagens em 13 terças (39 versos), onde as primeiras palavras das 12 primeiras terças são repetidas quatro vezes (anáfora). Veja abaixo os primeiros versos da nona à vigésima terças: 25 Vedea colui che fu nobil creato (...) Dorothy Sayers observa que as iniciais da seqüência Vedea - O - Mostrava destacam a palavra VOM (ou UOM, já que o V e o U são a mesma letra na escrita medieval) que é "homem" em italiano [Sayers 55]. Voltar 12.3 "Vedea ..." (Vi ...): Esse parágrafo (quatro terças no original, começando com Vedea) mostra três exemplos de orgulho absoluto. Os pecadores consideravam-se superiores, em todos os aspectos, aos seus criadores. Os exemplos são Lúcifer, Briareu e Nemrod. Voltar 12.4 Lúcifer é o anjo da luz, cujo orgulho fez com que desejasse ser maior que Deus. Veja notas em Inferno, canto XXXIV. A descrição da queda de Lúcifer feita por Dante é semelhante à narrada por Jesus em Lucas 10:18: "Vi Satanás, como um raio, cair do céu" (trad. J. Ferreira de Almeida). Voltar 12.5 Briareu e os outros Gigantes quiseram tomar o poder no Olimpo, achando que seriam capazes de vencer Jupiter. Apolo (Timbreu), Palas e Marte lutaram e triunfaram na defesa dos deuses, matando todos os gigantes. Veja nota em Inferno, canto XXXI. Voltar 12.6 Nemrod achou que poderia subir ao Céu ao construir a torre de Babel na planície de Senaar (Gênesis 10:9-10). Veja nota em Inferno, canto XXXI. Voltar 12.7 "Ó ..." (exemplos de arrogância): Esse parágrafo (quatro terças no original, começando com O) mostra quatro exemplos de orgulho quanto a suas habilidades e discernimento intelectual. Os pecadores acreditavam possuir dons inigualáveis e insuperáveis e não aceitavam conselhos de outros. Os exemplos são Niobe, Saulo, Aracne e Roboão. Voltar 12.8 Niobe era a esposa do rei Anfión, de Tebas. No relato de Ovídio, ela desdenhou o povo que adorava a deusa Latona. Por ser mãe de sete filhos e sete filhas, ela se considerava superior à deusa, que com Júpiter só teve Apolo e Diana. Em vingança, Latona convocou os gêmeos Phebe e Phebo que mataram a flechadas seus 14 filhos. Ao saber das mortes dos sete filhos, Anfión cravou um punhal em seu coração). Niobe assistiu à morte das sete filhas e sua tristeza endureceu-a, transformando-a em uma estátua de pedra, condenada a chorar para sempre. (Ovídio, Metamorfoses, livro VI) Voltar 12.9 Saulo, primeiro rei de Israel, repetidas vezes preferiu seguir a sua própria consciência em vez das ordens do Senhor e por isso, perdeu a soberania sobre o povo judeu e caiu em desgraça (I Samuel 13-31). Cercado pelos filisteus em Gelboé, que já haviam matado a sua família, caiu sobre a própria espada para não ser morto por eles (I Samuel 31:4). Voltar 12.10 Conta Ovídio que Aracne da Lydia era a melhor tecelã que havia na Terra. Orgulhosa, negava que sua arte havia sido um presente de Atena e desafiou: "que ela então mostre que é melhor!". Disfarçada de uma anciã, Atena ainda aconselhou Aracne a pedir perdão à ofensa feita à deusa, mas Aracne respondeu irritada "Eu não preciso do conselho de ninguém. Eu sei o que é melhor para mim. Por que Atena não aceita meu desafio?" Nesse momento, Atena abandonou o seu disfarce, e as duas começaram a tecer. Atena teceu imagens dos deuses e do mundo com perfeição, mas Aracne não ficou atrás. No final, Atena não conseguiu encontrar nada que desqualificasse o trabalho de Aracne, e se enfureceu. Acertou Aracne várias vezes na cabeça e depois, transformou-a em uma aranha (Ovídio, Metamorfoses, Livro VI). Voltar 12.11 Roboão, rei de Israel, auto-suficiente, ignorou o conselho dos anciãos que recomendavam que reduzisse os impostos sobre a população e preferiu seguir os conselhos de seus amigos mais próximos, aumentando os impostos e o rigor das punições. O povo se revoltou, matando um emissário do rei e forçando Roboão a fugir para Jerusalém (I Reis 12:4-18) Voltar 12.12 "Mostrava ..." (exemplos de vaidade): Esse parágrafo (quatro terças no original, começando com O) mostra quatro exemplos de orgulho quanto à imagem que se tem diante dos homens. Os pecadores consideravam-se superiores aos olhos dos outros mortais e os desprezavam. Os exemplos são a mãe de Alcmeon, Senaqueribe, Ciro e Holeferne. Voltar 12.13 Alcmeon, filho de Anfiarau (veja Inferno, canto XX), matou a sua mãe Erífile que traiu o seu pai em troca de jóias. A história é contada na Tebaida de Estácio (veja nota 21.1). Anfiarau, sendo um vidente, previu que iria morrer em batalha caso fosse à guerra de Tebas. Para evitar a convocação, ele se escondeu. Indagada por seu irmão, o rei Adrasto, Erífile revelou o esconderijo do marido aceitando um colar de ouro e diamantes como suborno. Anfiarau, ao partir, pediu que seu filho Alcmeon matasse a mãe logo que soubesse de sua morte [Longfellow 67]. Voltar 12.14 Senaqueribe, era o rei da Assíria. Tendo tomado todas as cidades fortificadas da Judéia, Senaqueribe assediou Jerusalém. Certo que seria vitorioso, desafiou Ezequiel, rei da Judéia, a mostrar o poder de seu Deus. Durante a noite, um anjo matou os 185 mil soldados assírios. Sem exército, o rei deixou o acampamento e voltou a Nínive. Enquanto orava no templo foi morto por seus dois filhos, inconformados com a derrota (2 Reis 19:35-37) Voltar 12.15 Após tomar a Babilônia, Ciro, rei da Pérsia (560 a 529 a.C) decidiu anexar à Pérsia o país dos Masságetas, situado além do rio Araxo. Seguindo conselho de Creso, seu conselheiro desde que anexara a Lídia, Ciro preparou, no acampamento, um banquete com muita carne e vinho, e lá deixou as suas piores tropas, retirando-se com o resto do seu exército para a beira do rio, situado a um dia de viagem. Os Masságetas então atacaram, com um terço do seu exército, e derrotaram, após alguma resistência, os persas que ficaram no acampamento. Depois comeram e beberam até não poderem mais, e caíram no sono. Os persas, surgindo pouco depois, mataram e aprisionaram sem dificuldades todos os Masságetas, inclusive o general e filho da rainha Tamíris. A rainha, sabendo que seu filho era prisioneiro, implorou que Ciro o devolvesse vivo, e prometeu não atacar a Pérsia. Mas Ciro não deu ouvidos à rainha e seu filho se matou, logo que acordou da embriaguez. Tamíris então atacou com todo o seu exército. Derrotado, Ciro morreu em batalha após reinar por 29 anos. Tamíris buscou o seu corpo entre os mortos e o profanou, mergulhando sua cabeça num balde de sangue e dizendo "eu te saciarei de sangue, como te prometi." (Heródoto, Histórias, Livro I:204-214) Voltar 12.16 Holeferne, capitão do exército de Nabucodonosor, rei dos assírios, foi aconselhado pelo mercenário Aquior a não atacar a cidade dos judeus, por causa do poder de seu Deus. Holeferne desprezou o conselho: "Eles [o exército de Israel] não resistirão ao poder de nossa cavalaria. Nós os surpreenderemos; suas montanhas serão embebidas com seu sangue. Nem suas pegadas irão sobreviver ao nosso ataque; eles serão completamente dizimados (Judith, 6:3-4). Os judeus estavam em desvantagem, sem água e sem comida. A bela viúva Judith, fingindo estar fugindo da cidade, entregou-se aos assírios. Seduzido por sua beleza, Holeferne trouxe-a para a sua tenda. No quarto dia de sua visita, houve um grande banquete, após o qual Holeferne deu instruções aos seus guardas para que o deixassem a sós com Judith, pois tinha a intenção de seduzi-la. Todos beberam bastante vinho e no final da noite, Holeferne, bêbado e cansado, caiu no sono. Judith, atenta, localizou a espada do capitão e degolou-o, arrancou a sua cabeça e levou-a de volta à cidade. Lá chegando, a cabeça foi posta em exposição e o exército foi incitado a entrar em batalha. Os assírios, percebendo o ataque iminente, correram para avisar ao seu chefe, e o acharam sem cabeça. Desolados, foram facilmente derrotados (livro de Judith [NRSV Apocrypha]). Voltar 12.17 A última imagem representa a destruição da cidade de Tróia (Ilium), exemplo clássico da queda do orgulho. Voltar 12.18 O Anjo da Humildade: Na saída de cada cornija há um anjo, que apaga um dos "P" da testa de Dante, e pronuncia uma benção tirada do Sermão da Montanha (Mateus 5). Ao sair da cornija do orgulho, Dante ouve "Bem-aventurados são os pobres em espírito" (Beati pauperes spiritu, em latim, no original) (Mateus 5:3), que com a asa, sara a ferida na sua testa e o encaminha ao círculo seguinte. Voltar |