Purgatório (página principal) Canto I (início da história)

A Divina Comédia
PURGATÓRIO

Entre os mundos descritos na Divina Comédia, o Purgatório é a criação mais original de Dante. Os outros dois livros falam de reinos cuja existência é doutrina fundamental em diversas religiões. Já o Purgatório é mais recente, tendo sua crença originado nas doutrinas patrísticas e consolidada no início da Idade Média por teólogos como Santo Agostinho e, mais tarde, Tomás de Aquino.

A concepção do purgatório como uma montanha é, até onde sabemos, uma idéia original de Dante. O inferno sempre foi associado com o mundo subterrâneo e o Céu sempre foi visto como a morada dos deuses e dos por eles escolhidos. Na representação de Dante, o purgatório serve como uma escada para o Céu, ligando a superfície terrestre às portas do paraíso. Chegar lá, porém, não é tão fácil quanto chegar no inferno, cujas portas estão sempre abertas.

O purgatório está separado do mundo habitado por um imenso oceano, numa ilha cujo acesso é dificultado por um mar agitado e tempestades que afundam qualquer embarcação que tente se aproximar, como o navio de Ulisses, narrado no Canto XXVI do Inferno. Uma vez na ilha, é preciso ter fôlego de alpinista para escalar os rochedos que levam à entrada do purgatório. A porta é estreita e fechada com duas chaves. Um anjo armado com uma espada guarda a entrada.

Como o inferno, o purgatório é dividido em círculos (na forma de estreitos terraços na montanha) onde são purgados diferentes pecados, organizados em ordem de gravidade. A montanha tem, no total, nove áreas de purgação. Duas ficam antes da entrada guardada pelo anjo. As outras sete, que representam os sete pecados capitais, ficam entre a porta e o pico da montanha onde está o Paraíso Terrestre ou Jardim do Éden. O Paraíso Terrestre está separado do purgatório por uma parede de fogo. Os pecados decrescem em gravidade à medida em que se escala a montanha.

Qualquer alma pecadora que tenha se arrependido em vida tem direito ao purgatório, por mais graves que tenham sido os pecados cometidos. Aqueles que só se arrependeram quando não podiam mais pecar não podem entrar imediatamente pela porta de São Pedro. Precisam ficar esperando do lado de fora, onde a espera pode durar dezenas de vezes o tempo de sua vida na Terra.

Dentro do purgatório, a alma passa períodos de tempo em um ou mais terraços de acordo com os pecados capitais que tenha cometido em vida. Nesses terraços ela sofre cumprindo penas que tem como objetivo a sua purificação. As penas são às vezes tão terríveis quanto às do inferno, mas as almas cumprem-as sem reclamar, pois têm certeza que, quando o tempo de sua purgação chegar ao fim, lhes será concedida a entrada no paraíso.

A doutrina do purgatório, embora não seja sustentada de forma explícita pela autoridade das escrituras, é defendida em comentários sobre o evangelho realizados pelos padres alexandrinos no século II. A evidência bíblica de sua existência é defendida com base na interpretação da palavra de Jesus Cristo, que afirmou em Mateus 5:26 "Em verdade te digo que de maneira nenhuma sairás dali enquanto não pagares o último centavo." A idéia foi mais tarde confirmada nas obras de Santo Agostinho e passou a fazer parte das doutrinas oficiais da Igreja Católica.

Segundo a doutrina Católica, a finalidade do purgatório não é punição, mas purgação, ou purificação. A alma que sofre no purgatório está feliz porque deseja purificar-se, e sabe que jamais poderia entrar no Céu se não estivesse pura. O purgatório não é uma área de provação, como a Terra. Nem é tampouco um lugar onde se tem uma segunda chance, pois a escolha entre o Céu e o inferno só pode ser feita em vida. As almas que estão no purgatório irão para o Céu mais cedo ou mais tarde.

As almas do purgatório e as almas na Terra mantém um vínculo entre si e podem ajudar umas às outras através de orações.

A passagem do tempo durante a viagem pelo purgatório de Dante é rigorosamente medida a partir da posição do Sol, da Lua e das estrelas. Dante chega à ilha quando os primeiros raios de Sol iluminam o domingo de Páscoa e termina essa etapa de sua viagem três dias depois.

Em contraste com o inferno, no purgatório não há seres mitológicos. Em vez dos demônios, encontramos anjos protegendo a montanha. A principal atração são personalidades conhecidas de Dante, grandes estadistas, membros do clero e artistas que narram suas histórias, profetizam o futuro e pedem orações para encurtar seu tempo de penitência.

A entrada de cada círculo do purgatório é guardada por um anjo, que purifica a alma que sobe ao próximo nível e profere uma benção tirada do sermão da montanha. Em cada círculo ocorrem representações do pecado e de sua virtude oposta, que Dante percebe de diversas maneiras diferentes. Hinos, salmos, rituais e orações são cantados pelas almas em cada cornija do purgatório.

Assim como o Inferno, a leitura do Purgatório de Dante é uma metáfora da obra. No Inferno, o encontro de Dante com cada pecado era imediatamente seguido de sua recompensa. O resultado eram momentos de grande destaque, como o encontro com Francesca (Canto V), com Ulisses (Canto XXVI) ou com o conde Ugolino (Canto XXXIII). Os eventos eram, porém, isolados e pouco influenciavam o restante da viagem.

Ao ler o Purgatório, somos impelidos a subir a montanha porque a recompensa (o paraíso e Beatriz) encontra-se no seu cume. Não há grandes momentos dramáticos isolados na obra, como ocorre no Inferno, mas o movimento da história é impulsionado pela necessidade de se chegar ao topo da montanha. O autor não oferece uma recompensa imediata para cada encontro, mas pede que tenhamos paciência e que esperemos para ver o que ele nos oferecerá no final. à medida em que subimos, o personagem de Dante cresce, e supera o seu mestre Virgílio. Os acontecimentos dos cinco cantos finais, de fato, surpreendem, e superam qualquer "grande" momento encontrado no Inferno.

H. R.

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