Canto VII
Pluto - Círculo da avareza (4)
Círculo da ira (5) - Rio Estige
- Pape Satàn pape Satàn aleppe!
- começava Pluto com sua voz rouca. Virgílio
virou-se para mim e disse, com segurança:
- Não tenhas medo dele. Lembra-te que, por mais que ele tenha poder,
ele não pode impedir nossa descida. - Depois, dirigiu-se a Pluto e gritou:
- Cala a boca lobo maldito! Consome em ti mesmo tua raiva. Nossa descida
não é sem propósito, pois é algo que se quer nas alturas!
Diante daquela voz revestida de autoridade, Pluto mal pôde reagir. Logo
fraquejou e diante de nós, tombou.
Aproveitamos, então, para descer pela beira que contorna o quarto círculo.
Lá vi mais almas que em todos os círculos precedentes. Estavam organizadas
em dois grupos que se enfrentavam, com os peitos nus, rolando grandes
pesos em sentidos contrários até colidirem uns com os outros. Após o choque
um grupo gritava "por que poupas?". O outro gritava "por que gastas?".
Depois do choque seguiam em sentido contrário até se encontrarem novamente,
do outro lado do círculo. E assim continuavam por toda a eternidade.
Com o coração pungido de desgosto, perguntei:
- Mestre, quem são essas pessoas? Eram padres essas almas que vejo aqui
do lado, com corte de cabelos em cercilha?
- Todos - respondeu o mestre -, em sua vida terrena, não foram judiciosos
com seus gastos. Isto declaram, quando se encontram nas suas culpas opostas.
Esses de coroa pelada são clérigos, papas e cardeais, nos quais a avareza
se manifesta mais facilmente.
- Mestre - falei - em um grupo como este certamente serei capaz de reconhecer
alguém.
- É inútil a tua esperança. - respondeu o mestre - Sua vida sem conhecimento
os tornou imundos e agora é mais difícil reconhecê-los. Eternamente se
enfrentarão, aqueles de punho cerrado e aqueles outros sem cabelos. Mal
dar e mal guardar os tirou do mundo, colocando-os nessa rinha. Mas não
vale a pena mais falar deles. Vês, filho, como de nada adianta os homens
brigarem pela fortuna? Pois todo o ouro que está ou já esteve sob a lua
não comprará um minuto sequer de descanso para essas almas cansadas.
- Mestre meu - disse eu - me dize o que é a Fortuna
de que agora falas? Como é que ela é, essa que guarda todas as riquezas
do mundo em suas mãos?
- Aquele cujo saber tudo transcende - explicou-me o mestre - fez os céus
e lhes deu quem os conduz, e cada esfera que
brilha reflete sobre as outras, distribuindo igualmente a luz. Do
mesmo modo, para as riquezas mundanas designou uma ministra para que ela
cuidasse de permutar, de tempos em tempos, os bens profanos entre as nações
e famílias, livres do alcance da cobiça humana. Então, enquanto uma nação
impera, outra enfraquece, de acordo com o arbítrio dela, que é oculto
como uma serpente na relva. Vosso saber não tem poder sobre sua lei, pois
ela prevê, julga e rege sobre seu reino. E ela nunca pára. É amaldiçoada
até por quem deveria louvá-la, mas como é beata, ela não os ouve, e continua
a girar a sua roda eternamente.
Não demoramos mais naquele lugar pois o dia já chegava ao fim, e nosso
tempo era curto. Descemos então para o quinto círculo por uma vereda escura
onde nascia uma fonte de água preta e fervente. Atravessamos o riacho
e acompanhamos suas encostas através de um caminho estreito, até que chegamos
finalmente às margens de um vasto pântano chamado Estige,
onde o riacho desaguava.
Apesar da escuridão, pude ver, naquela água escura, vultos nus cobertos
de lama remexendo-se, com feições iradas. Eles esmurravam-se com as mãos,
batiam cabeças, se chutavam e arrancavam as peles uns dos outros com os
dentes.
- Filho - disse o bom mestre -, aqui tu vês as almas dos vencidos pela
ira, e vou dizer-te ainda, se me crês, que embaixo d'água há gente que
suspira, fazendo-a borbulhar. São aqueles vencidos pelo rancor, a ira
contida e passiva, porém igualmente destrutiva. Eles gorgolam o lodo e
formam as bolhas que pipocam sobre esta lama fétida.
Depois demos uma grande volta, seguindo entre o rio e a orla seca, sempre
observando aqueles que engoliam a lama, até chegarmos ao pé de uma alta
torre, no final.
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