Canto XXXI

Gigantes - Nemrod - Efialte - Anteu

Dando as costas àquele vale miserável, escalamos o rochedo e chegamos à última beira, que atravessamos em silêncio. A escuridão era imensa e meus olhos podiam ver muito pouco, quando ouvi uma trombeta soar tão forte que parecia o som de um trovão. O estrondo me fez voltar o olhar para o horizonte onde percebi o que pareciam ser torres de uma cidade.

- Mestre - perguntei a Virgílio -, que cidade é aquela?

- A escuridão o impede de ver o que realmente são essas torres. - respondeu - Não é uma cidade. O que vês são as silhuetas de gigantes que estão dentro do poço e, por serem tão altos, parte do seu corpo desponta além do nível deste círculo.

Dito isto, continuamos a caminhar na direção das "torres". À medida em que nos aproximávamos da beira do poço, a neblina se tornava menos densa e os gigantes começavam a tomar forma, aparecendo à minha vista ao mesmo tempo em que o meu medo crescia. Finalmente pude distinguir um dos rostos, os ombros, os braços, o peito e boa parte do ventre de um deles. O rosto, acredito, era tão largo quando a cúpula de São Pedro em Roma, e em igual proporção era todo o resto de seu corpo.

- Raphael may amech zabi almi - gritou o gigante.

- Ó alma tola - respondeu Virgílio - fica com essa tua trompa, que está presa a teu peito, e faze uso dela para descarregar tua raiva! - e depois voltou-se para mim - Ele mesmo se acusa. Ele é Nemrod, o construtor da torre de Babel. Para ele, língua alguma faz sentido, portanto vamos deixá-lo pois é perda de tempo tentar falar com ele.

Deixamos Nemrod e viramos à esquerda, prosseguindo pela beirada, até encontrarmos mais adiante outro gigante acorrentado. Sua mão esquerda estava atada na frente, sua mão direita estava presa atrás e uma enorme corrente o apertava, dando cinco voltas do pescoço até a cintura, até onde eu pude ver.

- Ele quis provar que era melhor que Jove - disse-me o mestre - e aqui tem a sua recompensa. É Efialte, cujos braços que antes moveu contra os deuses agora permanecem imóveis.

- Se for possível - disse eu -, gostaria de conhecer o descomunal Briareu.

- Não muito longe daqui - disse o mestre -, tu verás Anteu, que está solto e falante. Será ele que irá nos levar até o fundo. Aquele que queres ver está muito longe. Ele também está amarrado e se parece muito com este aqui, embora tenha uma aparência mais assustadora.

De repente Efialte se sacudiu de uma forma como nunca vi torre alguma tremer, nem nos piores terremotos. Eu teria morrido do susto se eu não tivesse antes visto a corrente que o prendia, e que me dava confiança.

Continuamos pelo nosso caminho até pararmos diante do gigante Anteu. Meu mestre elogiou seus feitos e depois pediu com cortesia:

- Anteu, este que está comigo pode espalhar tua fama pelo mundo, pois ainda vive. Para que ele não precise recorrer a Tifeu ou a Tício, te peço que nos leve lá para baixo, onde o frio do Cócito congela.

Assim falou o mestre e o gigante estendeu as mãos para que nelas subíssemos. Virgílio subiu primeiro. Quando já estava seguramente apoiado na mão de Anteu ele me chamou e me suspendeu. Assim que o gigante se inclinou eu me senti como se estivesse em uma torre que estava prestes a desabar. Mas o medo durou pouco. Cuidadoso, Anteu nos deixou no fundo daquele poço gelado. Depois que estávamos seguros sobre o chão, ele se levantou e se foi.

Anteu ajuda Dante e Virgílio na descida ao nono círculo (Lago Cócito). Ilustração de Gustave Doré (séc XIX).