Canto XXIIEscolta de 10 demôniosSeguimos com os dez demônios. Durante a nossa jornada eu pude ter uma noção melhor de todo o vale e do breu fervente. Observei que, como os golfinhos que mostram suas costas acima da água, eventualmente um pecador mostrava as suas para aliviar por um instante seu sofrimento, e logo tornava a mergulhar. Outros ficavam à beira da fossa, mas submergiam assim que Barbariccia aparecia. Vi então um pecador que, vacilante, demorou para retornar à calda fervente. Antes que o coitado pudesse submergir, Graffiacane o capturou agarrando-o pelos cabelos. Os diabos gritavam: - Ó Rubicante! Enfia tuas garras nas costas dele! Esfola! Rasga a pele!! Enquanto os demônios gritavam, eu voltei-me para o mestre e perguntei: - Mestre, se puderes, descubra quem é este desgraçado que caiu nas mãos de seus adversários. Meu guia se deslocou até o pecador, perguntou de onde viera, e ele respondeu: - Eu nasci e fui criado no reino de Navarra. Depois fui servo do bom rei Tebaldo e lá aprendi a arte da barataria. Agora pago a conta neste caldo quente. Ciriatto, que tinha duas presas no rosto que nem javali, fez-lhe sentir como uma só poderia rasgá-lo. Mas Barbariccia interveio, agarrando-o. - Aproveita enquanto eu o seguro! - disse Barbariccia a Virgílio - Se quiseres que ele fale mais, continue a interrogá-lo antes que os outros o dilacerem. - Então dize-me - continuou Virgílio - conheces algum latino lá embaixo? - Eu estava com um agora há pouco. Queria eu estar lá embaixo com eles para não receber estas garfadas. - Já esperamos demais! - gritou Libicocco, que com um garfo arrancou-lhe um pedaço do braço. Draghinazzo já ia furá-lo com o quinhão mas desistiu assim que percebeu que o decurião Barbariccia olhava para ele, irritado. - Mas quem é aquele com quem disseste estar há pouco no caldo fervente? - continuou o mestre. - Era o frei Gomita de Gallura, soberano especulador. - respondeu o condenado - Vive ele a conversar com Dom Michel Zanche sobre a Sardenha. Ai! Mas olha só o diabo como ri! Eu poderia te falar mais, mas temo que esse demônio se zangue e venha me torturar! Mas Barbariccia virou-se para Farfarello, que já avançava, gritando: - Te afasta, ave de rapina nojenta! - Se quiseres ver toscanos e lombardos - continuou o pecador -, eu os farei vir aos montes! É preciso, porém, que os Malebranche se afastem, pois eles os temem. Eu, sozinho, sem sair deste lugar, farei vir sete deles com um simples assobio. É o nosso sinal para indicar que algum de nós está fora. - Olha só a trapaça que ele armou para escapar! - disse Cagnazzo, rindo e sacudindo a cabeça. - Trapaceiro eu sou - respondeu o esperto -, especialmente se for para trazer desgraça aos meus companheiros. Mas Alichino queria ver para crer e o desafiou: - Se tu mergulhares eu não correrei atrás de ti, pois tenho asas para te alcançar. Nós te deixaremos livre e ficaremos atrás do vale. Veremos se és mais rápido que nós. E então todos tomaram o rumo do vale, começando com o que se opunha àquele jogo. Astuto, o corrupto saltou e conseguiu fugir. Alichino não conseguiu alcançá-lo. Calcabrina, irado, correu atrás também, torcendo que o danado escapasse para armar uma briga com Alichino. Assim que o pecador submergiu ele saltou em cima do seu irmão, e ambos se enroscaram no ar sobre o piche. Os dois começaram a se mutilar com suas garras até que caíram na pez fervente. O calor foi suficiente para separá-los, mas não conseguiam sair do poço, pois suas asas estavam encharcadas. Saíram então todos os outros diabos para os socorrer. E lá os deixamos, naquela confusão, e continuamos sozinhos. |