Canto XV

Espírito de Brunetto Latini

Nós caminhávamos por uma das margens de pedra. Uma névoa pairava sobre o córrego mantendo o fogo longe dos diques que o separam do areão. A selva já ficara bem para trás (tão distante que, se eu olhasse para trás, tenho certeza que não mais a veria) quando surgiu um grupo de almas beirando o dique e nos fitando. Uma delas me reconheceu e se agarrou ao meu manto, gritando:

- Que maravilha!

Eu, logo que senti que um espírito me segurava, olhei para as suas feições queimadas e, apesar de sua face tostada, não pude deixar de reconhecê-lo.

- Sois vós aqui, senhor Brunetto? - perguntei.

- Filho - respondeu ele -, se não te causar desgosto, deixa que Brunetto Latino se afaste de seu grupo e te faça companhia na breve caminhada.

- Se quiserdes, posso sentar aqui convosco - respondi -, se aquele que está comigo não se incomodar.

- Não posso parar. - respondeu - Fui condenado a vagar eternamente. Se um de nós se detiver, terá que permanecer por cem anos, sem poder afastar o fogo que o atormenta. Segue, portanto, e eu te acompanharei, e depois voltarei ao meu bando, que lamenta a sua dor eterna.

Andei ao seu lado, mas não desci do dique. Ele me perguntou o que eu fazia lá naquele vale infernal antes do tempo. Contei-lhe toda a história, desde a floresta escura até a jornada que eu empreendia com Virgílio. E então ele me fez várias previsões sobre o meu futuro e o de Florença. Disse:

- Por tuas boas ações, a raça maligna te será inimiga. E têm razão, pois entre as frutas podres não convém cultivar o figo. Pelas honras que teu destino te reserva, vão disputar-te ambas as facções, mas que do bode fique longe a erva.

- Minha mente não esquece - respondi - e meu coração se parte, ao lembrar de vossa figura, amável e paterna, que enquanto vivia no mundo, hora após hora, me ensináveis como um homem se faz eterno. - e disse-lhe ainda - Não é nova esta vossa profecia aos meus ouvidos. Eu anotarei e a levarei comigo, junto com outro texto, para que uma mulher (Beatriz) o interprete, se eu a encontrar.

Indaguei sobre o estado dos seus companheiros e se havia alguém conhecido entre eles. Ele me respondeu:

- Eu terei que ser breve, pois meu tempo é curto. Em suma, cada um deles foi prelado, letrado ou de grande fama e por um só pecado teve o desprezo do mundo. Se o meu grupo aqui estivesse, poderia te mostrar, por exemplo, Prisciano e Francesco d'Accorso. Eu conversaria mais, porém, já vejo uma poeira no Areal. Outro grupo se aproxima e com eles eu não posso me misturar. Lembre-se do meu Tesouro, no qual eu ainda vivo. É a única coisa que te peço.

Falou, e saiu correndo pelo deserto como atleta que disputa uma corrida.